O Xbox Game Pass é uma das melhores plataformas para conhecer novos jogos, reunindo uma enorme variedade de gêneros para todos os gostos. Com milhões de assinaturas mensais, o serviço também democratizou o acesso a lançamentos, incluindo até mesmo os Triple A, que são adicionados ao catálogo sem custos adicionais e com estreia simultânea.
Curiosamente, esse serviço somente veio a existir graças ao sucesso de outro programa da Microsoft, quase esquecido e desativado há mais de uma década — o Xbox Live Arcade. Hoje reformulada em um sucessor espiritual, o ID@Xbox, a iniciativa tinha a proposta de facilitar a distribuição de jogos menores ou de desenvolvimento independente ao Xbox 360.
Para falar sobre essa trajetória, o Voxel entrevistou James Lewis e Chris Charla — o chefe do Programa de Aceleração de Desenvolvedores da ID@Xbox, e o Líder de Programas e Criação de Conteúdo da Microsoft, respectivamente. A conversa aconteceu durante a Gamescom Latam 2025; confira!
Xbox Live Arcade, a raiz que deu origem ao Game PassO Xbox Live Arcade nasceu ainda em 2004, sendo inicialmente distribuído em CDs ou como Software da Microsoft, até estrear no Xbox 360 — em novembro de 2005. O programa recebeu centenas de jogos indie, mas perdeu destaque com a chegada do Xbox One, que não levou a marca a frente.
Nesse contexto, além da nova proposta apresentada pelo Xbox One — que prometia ser uma espécie de console e central de mídias —, outro fator contribuiu para o fim do Live Arcade. Na época, o programa sofreu críticas acerca da remoção inexplicada de vários jogos, alguns que, inclusive, se tornaram “extintos” por não estarem oficialmente disponíveis em outras plataformas.
Coleçào de jogos do Xbox Live Arcade. (Fonte: xTREMEKaosClan / YouTube)Além disso, desenvolvedores independentes chegaram a denunciar um protecionismo exagerado da Microsoft quanto à publicação de suas obras. Segundo os relatos, a empresa exigia que os jogos fossem lançados primeiro no Xbox Live Arcade, além de estipular sua exclusividade, em alguns casos.
“Ficou claro que precisávamos permitir a publicação independente” — Chris Charla, criador do ID@Xbox
Chris Charla, que trabalhou no Xbox Live Arcade, comenta o caso: “Hoje parece óbvio, mas em 2013 foi algo enorme,” contextualiza, “Ficou claro que precisávamos permitir a publicação independente”. A partir desse contexto, o ID@Xbox nasceu: “criamos o programa para dar acesso direto aos desenvolvedores indie,” ele afirma, “A ideia era facilitar ao máximo, porque sabíamos que se fosse viável, eles viriam — e os jogadores também”.
Mas afinal, o que é o ID@Xbox?Embora tenha surgido das críticas ao Xbox Live Arcade, o ID@Xbox se propôs a ir muito além do que apenas uma plataforma de distribuição. Na verdade, o programa funciona como um suporte para desenvolvedores independentes, garantindo o hardware e o software necessário para a criação de novos jogos.
“Percebemos que os devs não precisavam de ‘pais’, e sim de apoio”. — Chris Charla, criador do ID@Xbox
Charla comenta as diferenças: “Na Live Arcade, cada jogo tinha um produtor da Microsoft que ajudava,” explica, “Quando passamos para o ID@Xbox, nós deixamos de ter produtores”. Segundo ele, o processo de transição foi “assustador”, já que o apoio era de grande ajuda. No entanto, a mudança foi necessária: “percebemos que os devs não precisavam de ‘pais’, e sim de apoio”.
ID@Xbox promove o desenvolvimento de jogos com perspectivas inovadoras. (Fonte: Xbox Wire / Reprodução)Dessa maneira, o ID@Xbox se tornou um programa mais livre: “nos afastamos da interferência criativa,” afirma Charla, “só damos feedback se eles [desenvolvedores] pedirem”. Adiante, ele explica que, por conta dessa abordagem, muitos títulos são apresentados quando estão praticamente prontos.
“Ajudamos de outras formas, baseadas no que eles precisam, e não no que achamos que é melhor” — Chris Charla, criador do ID@Xbox
Segundo Charla, após confirmar que a ideia de jogo atende os padrões de qualidade da Xbox, o programa envia os kits de desenvolvimento e o estúdio segue o trabalho. Para ele, essa independência é um sinal de amadurecimento da indústria: “Isso mostra o quanto os desenvolvedores evoluíram,” explica, “Ajudamos de outras formas, baseadas no que eles precisam, e não no que achamos que é melhor”.
Mais liberdade para os desenvolvedoresDiferente do Xbox Live Arcade, o ID@Xbox promove e dá liberdade para que os jogos sejam lançados em outras plataformas, apesar do ecossistema da Microsoft Gaming ser o foco principal. James comenta: “reconhecemos que os desenvolvedores podem ter outros objetivos,” afirma, “Nosso papel é apoiá-los onde for significativo para eles”.
“Se ajudarmos no início da jornada, é provável que eles voltem no quinto jogo para conversar conosco novamente.” — James Lewis, chefe do Programa de Aceleração de Desenvolvedores da ID@Xbox
Segundo o executivo, essa postura prioriza uma relação mais saudável no longo-prazo: “Se ajudarmos no início da jornada, é provável que eles voltem no quinto jogo para conversar conosco novamente.”
S.T.A.L.K.E.R 2 recebeu apoio da Xbox.Seguindo essa fórmula, conforme comenta Charla, o programa foi um sucesso. Desde 2013, o ID@Xbox pagou mais de US$ 5 bilhões para desenvolvedores independentes, incluindo os de alguns jogos bastante populares — Balatro e S.T.A.L.K.E.R. 2: Heart of Chornobyl, por exemplo.
Game Pass não existiria sem ID@XboxQuando questionado se o Game Pass existiria sem o apoio do ID@Xbox, Charla é categórico: “Não, acho que não existiria”. O criador do programa explica a relação entre os programas, reforçando a importância dos estúdios independentes: “O Game Pass ajudou muitos indies a alcançarem milhões de jogadores […] e os indies ajudaram muito o Game Pass,” afirma.
“O Game Pass ajudou muitos indies a alcançarem milhões de jogadores […] e os indies ajudaram muito o Game Pass,” — Chris Charla, criador do ID@Xbox
Para Charla, o Game Pass ainda é sobre encontrar novas experiências: “Uma das coisas mais legais é poder baixar algo que você nunca ouviu falar e experimentar na hora,” afirma “Antigamente o slogan era ‘descubra seu próximo jogo favorito’, e ainda é assim que eu uso o Game Pass”.
Programa de de Aceleração para DesenvolvedoresLançado em 2023 como parte do ID@Xbox, o Programa de de Aceleração para Desenvolvedores busca apoiar estúdios liderados por grupos com pouca representação na indústria. O programa se propõe a ampliar a diversidade na indústria de jogos ao oferecer suporte financeiro e técnico para que esses criadores tenham acesso aos recursos necessários para lançar seus projetos no ecossistema Xbox.
Programa de Aceleração para Desenvolvedores completa dois anos em 2025.O apoio inclui três frentes principais: financiamento para porting, mentorias e conteúdos educativos, e apoio ao desenvolvimento de protótipos — com investimentos para transformar ideias em versões jogáveis.
“Os estúdios sempre agradecem, dizendo que sem o programa talvez seus jogos nem existissem” — James Lewis, chefe do Programa de Aceleração de Desenvolvedores da ID@Xbox
Desde então, o projeto tem sido bem positivo, conforme explica seu idealizador, Lewis: “Os estúdios sempre agradecem, dizendo que sem o programa talvez seus jogos nem existissem,” afirma, “Temos hoje mais de 200 parceiros no mundo todo e mais de 75 jogos lançados por meio do programa”. Segundo o executivo, o resultado promove jogos inovadores e com perspectivas únicas.
Nesse contexto, Lewis comenta que a abordagem também fortalece a relação entre a Microsoft e os pequenos estúdios: “muitos estúdios voltam pra conversar sobre seus próximos projetos,” afirma, “Isso é um ótimo sinal de que gostaram de trabalhar com a gente”.
Representatividade é parte fundamental da XboxFalando sobre a representatividade, Lewis explica que não se trata apenas de uma “meta” para o programa — mas de uma parte fundamental da Xbox. O executivo também destaca a importância da diversidade, tanto para jogadores quanto para os estúdios: “Se empoderarmos os desenvolvedores certos, eles vão contar histórias que atraem novos públicos”.
“Se empoderarmos os desenvolvedores certos, eles vão contar histórias que atraem novos públicos” — James Lewis, chefe do Programa de Aceleração de Desenvolvedores da ID@Xbox
Para Lewis, a diversidade entre os criadores é indispensável para que a indústria dos jogos cresça de forma inclusiva, rompendo barreiras históricas e permitindo que mais culturas, experiências e vozes ganhem espaço. “Esses jogos fazem as pessoas se sentirem vistas, e isso é poderoso”, afirma.
South of Midnight.Um exemplo recente citado por Lewis é South of Midnight, em que atuou como produtor narrativo. “Sou suspeito pra falar, mas eu amo esse jogo”, comentou, ao lembrar das reações emocionadas do público durante apresentações.
Segundo ele, muitas pessoas demonstraram interesse no título mesmo sem terem um Xbox, o que reforça o poder da representatividade ao gerar conexão imediata com os jogadores. “É o tipo de resposta que nos mostra que estamos no caminho certo”, conclui.
Game Pass é uma oportunidade de sucesso para pequenos estúdiosO executivo também comentou como o ID@Xbox contribui para ampliar o alcance desses jogos por meio do Game Pass, que já ultrapassa 34 milhões de assinantes. Desenvolvedores que participam do programa de aceleração podem manifestar interesse em entrar no catálogo do serviço, e a equipe do ID@Xbox atua diretamente para colocar esses projetos no radar do time responsável.
“Já tivemos vários jogos do programa entrando no Game Pass — como Mullet Madjack, recentemente”, exemplifica. Para Lewis, estar no serviço representa uma grande oportunidade de sucesso para os estúdios, ao dar visibilidade a experiências únicas que ajudam a diversificar o catálogo e atrair novos públicos.
A força do Brasil no mundo dos jogosDurante sua participação na Gamescom Latam, Charla destacou a forte presença cultural e a paixão evidente nos estúdios brasileiros de games. Segundo ele, o entusiasmo do público e dos criadores é notável, remetendo à época em que o Mega Drive — conhecido internacionalmente como Sega Genesis — era um verdadeiro fenômeno no Brasil, muito mais duradouro do que em outros países. “Isso tem uma vibe, sabe?”, comentou Charla, ao lembrar da sensação familiar que teve ao caminhar pelos estandes do evento.
Mega Drive foi um grande sucesso no Brasil.Mesmo em espaços que não pertenciam à Sega, o executivo afirmou ter percebido esse espírito nostálgico em elementos como espadas gigantes e visuais retrô, características que o fizeram sentir-se em casa. Para ele, essa energia também se reflete nos jogos criados por brasileiros, ainda que os estilos e gêneros sejam variados.
“A cultura brasileira está ali”, reforçou, mencionando que, com mais conhecimento, talvez até conseguisse identificar quais cidades produzem certos tipos de jogos. “Mas a vibe é real e é incrível”, concluiu.
Estúdios brasileiros estão mais experientes e próximos da MicrosoftLewis também destacou a evolução perceptível dos estúdios brasileiros em sua segunda visita ao país. Segundo ele, é evidente que muitos desses times estão amadurecendo, ganhando experiência e aprimorando suas habilidades de desenvolvimento. “Alguns dos estúdios que vi no ano passado estavam apenas apresentando ideias ou protótipos, e agora estão com jogos prontos nos estandes ou já falando sobre seus próximos projetos”, comentou.
“No ano passado, talvez tivéssemos só um jogo brasileiro no nosso estande. Agora, a maioria é de parceiros nossos. Isso mostra uma evolução muito positiva” — James Lewis, chefe do Programa de Aceleração de Desenvolvedores da ID@Xbox
Esse avanço, segundo Lewis, se reflete diretamente na presença brasileira dentro do ecossistema da Microsoft. “No ano passado, talvez tivéssemos só um jogo brasileiro no nosso estande. Agora, a maioria é de parceiros nossos. Isso mostra uma evolução muito positiva”, afirmou. Para ele, é especialmente animador ver estúdios ganhando confiança para contar as histórias que realmente querem contar, indo além dos projetos considerados mais seguros.
Lewis acredita que esse crescimento sustentável é essencial para o sucesso a longo prazo da indústria nacional. “Se os times conseguem chegar ao segundo ou terceiro jogo, há mais chance de termos grandes sucessos. E é isso que me empolga”, concluiu.
ID@Xbox revelará o próximo ‘Balatro’ entre os indies?No ano passado, o ID@Xbox trouxe Balatro, um dos jogos independentes mais premiados do ano. Quando questionado sobre qual seria o próximo título de impacto, entre os apresentados na Gamescom Latam, Lewis destacou o brasileiro Ghetto Zombies: Graffiti Squad.
Para Lewis, o destaque se dá pela trajetória da Fogo Games, estúdio responsável pelo jogo, que participou da Gamescom Latam em 2024. Na ocasião, eles venceram uma competição de propostas — e agora, menos de um ano depois, estão com seu jogo exibido em destaque no estande da Xbox.
Nas palavras do executivo: “É um jogo lindo, com uma trilha sonora ótima, divertido e cheio de nostalgia,” elogia. Para ele, mais do que isso, a história do estúdio simboliza o tipo de transformação que o programa de aceleração busca proporcionar. “Existe uma frase que carrego comigo: ‘Talento é universal, mas o acesso não’”, diz.
“Existe uma frase que carrego comigo: ‘Talento é universal, mas o acesso não’” — James Lewis, chefe do Programa de Aceleração de Desenvolvedores da ID@Xbox
Segundo Lewis, ver uma equipe sair de uma ideia para estar presente em um dos espaços mais prestigiados do evento é um lembrete poderoso sobre o impacto que oportunidades concretas podem ter. “Outros desenvolvedores vão ver isso e pensar: ‘Talvez eu também consiga’”, conclui.
Entrevista realizada por Francesco Casagrande, durante a Gamescom Latam 2025. Texto escrito e revisado por Adriano Camacho.