Imagine que você instalou painéis solares na sua casa. Durante o dia, enquanto você está no trabalho, o telhado da sua casa está gerando eletricidade com a luz do sol. Mas, como você não está lá para usar essa energia no momento em que ela é produzida, ela simplesmente se perde. À noite, quando você chega e liga as luzes, a televisão e o ar-condicionado, o sol já se foi. E então você precisa recorrer à energia da rede, que é mais cara e, muitas vezes, poluente.
Agora imagine se essa energia pudesse ser armazenada em uma bateria e utilizada quando realmente fosse necessária. Essa é a lógica por trás dos sistemas de armazenamento de energia, tema debatido no primeiro Absae Global Summit, evento que reuniu autoridades, entidades e representantes do setor elétrico em Brasília nesta semana.
Com a expansão das fontes renováveis, como a solar e a eólica, o uso de baterias tornou-se essencial. Afinal, o sol não brilha o tempo todo e o vento não sopra sempre. Em outras palavras, produzir energia em abundância não é suficiente. É preciso saber como e quando usá-la. Sem armazenamento, essa energia se perde ou obriga o sistema a recorrer a fontes poluentes para cobrir os horários de pico.
Armazenar energia é evitar apagões, reduzir a conta de luz e dar autonomia ao consumidor As baterias têm sido usadas para muito mais do que abastecer o sistema elétrico em diversos países. No setor agropecuário, por exemplo, já garantem o funcionamento de sistemas de irrigação, refrigeração e máquinas pesadas em áreas isoladas ou durante a madrugada, quando a energia solar não está disponível. Nas cidades, ajudam a reduzir os picos de consumo e até a evitar apagões em momentos de alta demanda.
Um exemplo vem do Texas, nos Estados Unidos, onde a Tesla está instalando baterias residenciais acopladas a painéis solares. O modelo tem criado casas energeticamente autônomas, capazes de gerar, armazenar e consumir a própria energia. Durante o dia, os painéis captam a luz do sol. À noite ou durante blecautes, as baterias alimentam os eletrodomésticos e os sistemas de climatização. O resultado é uma redução drástica na conta de luz e independência energética mesmo em eventos extremos, como tempestades ou ondas de calor.
O mundo avança e o Brasil observa No Absae Global Summit, realizado em Brasília no dia 28 de maio, especialistas internacionais reforçaram que o armazenamento já é realidade nos países que lideram a transição energética. Segundo Sarah Howarth, do Reino Unido, o país já conta com mais de 8 GW em baterias operacionais e outros 15 GW em fase de aprovação, com pagamento por serviços prestados à rede. “Sem baterias, não há segurança. É como construir uma hidrelétrica sem reservatório”, afirmou.
Thiago Costa, representante do operador do sistema australiano (AEMO), destacou que a Austrália já tem mais de 13 GW de armazenamento em desenvolvimento, com projetos como o Waratah (700 MW/1.400 MWh), que funcionam como escudos contra blecautes e picos de consumo.
Carlos Finat, do Chile, revelou que o país desperdiçou 2.400 GWh de energia solar em 2023 por falta de infraestrutura para armazenar a geração excedente. Em resposta, o governo chileno aprovou uma lei que incentiva a instalação de baterias, com isenção de encargos e regulação específica para operação autônoma.
A especialista colombiana Lina Ramirez, gerente do consórcio internacional G-PST, reforçou a dimensão global dessa tendência. A capacidade instalada mundial de baterias já ultrapassou 254 GW e deve chegar a 1.000 GW até 2050. Ela apresentou ainda o caso da Califórnia, nos Estados Unidos, onde as baterias já respondem por mais de 5% da energia fornecida nos horários de pico. Além disso, os preços caíram mais de 85% nos últimos 10 anos, tornando o armazenamento economicamente viável e escalável.
O CEO da Micropower, Sergio Jacobsen, destaca que o armazenamento é imprescindível para garantir o crescimento do setor elétrico e a segurança energética. “O Brasil está pronto e temos que avançar. Os sistemas de baterias já são uma realidade”, completou. A empresa é referência no desenvolvimento de soluções inteligentes de armazenamento de energia.
E o Brasil? Apesar de ter uma das maiores matrizes renováveis do mundo, o Brasil ainda desperdiça milhares de MWh por dia por falta de sistemas de armazenamento. Como consequência, o país recorre com frequência ao despacho de usinas térmicas, que são mais caras e poluentes. E isso pesa diretamente na conta de luz da população.
O governo federal chegou a anunciar um Leilão de Reserva de Capacidade (LRCAP) para incluir baterias no sistema ainda em 2024. No entanto, a iniciativa tem sido adiada sucessivamente, com a priorização das fontes térmicas no planejamento. Paralelamente, a regulamentação das baterias pela ANEEL também enfrenta entraves. A ACP 39/2023 segue em tramitação, sem relator designado desde o término do mandato do diretor Ricardo Tili. Isso impede a definição de regras claras para operação, remuneração e integração das baterias ao sistema.
Oportunidade desperdiçada Enquanto o mundo corre para armazenar energia do sol e do vento, o Brasil ainda observa de longe. A queda global no preço das baterias, os exemplos internacionais bem-sucedidos e o amadurecimento tecnológico mostram que o momento de agir é agora.
Como afirmou Lina Ramirez no encerramento do Summit, o Brasil tem todos os ingredientes: sol, vento e capacidade técnica. Só falta ligar o forno e deixar a transição energética acontecer de verdade.
O Brasil possui uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo. E também um dos maiores potenciais em energia solar e eólica. Mas, sem baterias, continuará refém de térmicas caras e poluentes, desperdiçando parte da energia que gera de forma renovável. Os países que lideram a corrida energética já entenderam isso e estão colhendo os frutos.