Os chamados “jogos da sorte”, como o popular “Jogo do Tigrinho”, estão mudando a forma como o público brasileiro interage com o universo digital. De acordo com Carlos Silva, CEO da Go Gamers, e Rodrigo Terra, presidente da Abragames, esse fenômeno impacta tanto as estatísticas quanto a percepção social sobre o que é, de fato, um “jogo digital”. Em entrevistas concedidas durante a Gamescom Latam 2025, os dois líderes analisaram o cenário atual e os desafios desse novo segmento.
Carlos Silva destaca que a Pesquisa Game Brasil (PGB) optou por incluir os tais “jogos da sorte” por seu impacto nos dados. “Eles atraem muita gente e expandem o que se entende por jogador digital”, explica. Segundo ele, mesmo sendo distintos dos games tradicionais, esses títulos ainda fazem parte do ecossistema gamer e precisam ser compreendidos.
Leia: Pesquisa Games Brasil mostra crescimento de Jogo do Tigrinho e games de aposta no paísA escolha de incluir esse tipo de jogo no levantamento da PGB partiu de uma constatação: muitos deles se declaram jogos, usam elementos de gamificação e despertam engajamento genuíno. “O que diferencia ele de um Candy Crush, quando você olha a camada de gamificação?”, questiona Carlos. “Decidimos investigar porque eles se posicionam como jogos. E quisemos entender o porquê de as pessoas jogarem isso.”
Jogadores estão apostando como uma forma de relaxar e até investirSurpreendentemente, a PGB apontou que uma parcela significativa dos usuários joga esses títulos com a intenção direta de apostar. Segundo os dados, cerca de 43,9% jogam para ganhar dinheiro, e 24,7% veem isso como investimento. “Tem gente que joga para relaxar, se divertir ou até como uma tentativa de melhorar a renda”, afirma.
O varejo brasileiro perdeu R$ 103 bilhões por causa das bets em 2024, diz Agência Brasil.Apesar disso, ele não acredita que os jogadores mais engajados, com histórico em consoles ou PC, irão migrar para esse tipo de jogo. “Talvez a atenção se divida em algum momento, mas o jogador que tem relação emocional com uma franquia não vai trocar facilmente”, diz. Ainda assim, Carlos reconhece que, para públicos mais casuais, como pessoas mais velhas ou de menor renda, a proposta de diversão com potencial retorno financeiro pode ser atraente.
Rodrigo Terra, presidente da Abragames, também destaca a importância de entender as diferenças legais e conceituais, especialmente ao tratar de apostas em eSports — algo distante dos “jogos de sorte”. Para ele, a chave está no enquadramento: “Apostar em uma partida de LoL ou de futebol continua sendo aposta. Só muda o objeto. O LoL não é um jogo de aposta — é um videogame. A competição é que vira esporte eletrônico, e aí a aposta está em outro lugar.”
Regulação à vista e atenção da indústriaA regulamentação desses jogos é uma das grandes tendências apontadas por Carlos para os próximos anos. “Vamos ver se esse crescimento vai se manter ou se vai cair. Talvez esses jogos sumam, ou se reposicionem,” ele pondera, “Como a indústria de games observa isso? Talvez tomando os cuidados para manter sua comunidade engajada.”
O crescimento desses jogos foi especialmente visível entre as classes D e E, com um aumento histórico de mais de 10%. “É algo que nunca tínhamos visto. Mas, no recorte geral de plataformas, ele conversa com todo mundo. Não está tomando a atenção, mas está se posicionando”, pontua.
Jogos como cultura e identidadeAlém das apostas, a entrevista também destacou a força cultural dos games entre as novas gerações. A Geração Z, por exemplo, tem uma identidade mais forte com o universo gamer do que os millennials. “Mais de 61% da geração Z se considera gamer, contra 53% dos millennials”, conta Carlos, “Eles nasceram com acesso fácil e enxergam isso como parte da vida,” comentam.
Roblox está entre os jogos mais populares da Geração Alpha.A chamada geração Alpha, que ainda é muito nova, já começa a ser observada. Carlos acredita que em dois ou três anos será possível entender melhor o comportamento desse público. “Eles crescerão com os jogos como espaço de socialização, eventos, produtos colecionáveis… É muito mais que o jogo em si.”
Essa valorização cultural também está no centro das discussões políticas, conforme Rodrigo relembra o recente encontro com a ministra da Cultura, Margareth Menezes. “Colocar o game também como cultura foi uma vitória,” ele comenta, “é uma conquista também muito grande que vem do Marco [Legal dos Games]”, afirma.
Um cenário diverso e competitivoMesmo com a popularização dos jogos da sorte, a indústria tradicional se mantém robusta. Carlos aponta um crescimento expressivo do público de PC, especialmente nas classes A e B1. “Houve aumento na renda familiar, nas vendas de hardware, e os eSports ajudam a impulsionar,” explica, “PC e notebook ultrapassaram os consoles em preferência”, comenta.
Leia também: Novo console só em 2027, mas Xbox Portátil no estilo Steam Deck pode chegar este anoServiços por assinatura também cresceram, embora ainda de forma tímida. A diversidade de plataformas continua sendo uma das forças do mercado: mobile, console, PC e portátil. “Tem produto para todo mundo”, diz Carlos.
Contudo, Carlos alerta que a indústria precisa seguir entregando qualidade. “Se você não tiver isso como base, a chance de perder o público é grande,” avalia, “ele [público] vai buscar outras experiências”.
Jogo do Tigrinho veio para ficar?Para Carlos, a próxima edição da PGB deve trazer respostas mais claras sobre o futuro dos jogos da sorte. “Vamos repetir a pesquisa para ver se essa realidade se manteve, se o engajamento mudou. Se cair, repensamos. Mas neste momento é importante entender a demografia inicial.”
Rodrigo Terra reforça que tudo precisa ser discutido com responsabilidade. “Se apostar no Tigrinho é bom ou ruim, isso quem responde é a sociedade,” afirma. Enquanto isso, vale se perguntar, se no futuro, o infame Tigrimo dividirá o pódio dos jogos com mascotes como Mario e Sonic.
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Entrevista realizada por Francesco Casagrande, durante a Gamescom Latam 2025. Texto por Adriano Camacho.